sábado, 2 de outubro de 2021

Sobre a ideia de separação

CAROLINE KRAUS LUVIZOTTO



Federação versus confederação

O termo federação remonta ao latim no qual o signo foederis transmite a ideia de união, pacto. Seu uso, no que se refere a atributo ou forma de Estado, só é possível a partir do exemplo norte-americano que, após a independência de suas treze colônias, originou o Estado federal no século XVIII.

Ao declararem-se independentes, as treze colônias se transformaram em treze estados livres e autônomos, regidos cada qual por suas próprias leis, podendo decidir, segundo seus próprios critérios, todos os assuntos de seu interesse e resolver os problemas com seus próprios meios. Isso só foi possível por causa da particularidade do regime de co­lonização de povoamento nas colônias do norte, do qual se originaram a estrutura de classes, a luta pela independência e o projeto de desenvolvimento, levando os norte-americanos à concepção de um sistema de organização de seu Estado nacional totalmente inovador e consonante com os anseios do liberalismo. Apesar de tudo isso, por questões de segu­rança e para melhor enfrentar os problemas comuns, uma união fazia-se necessária.

Segundo Molon (1994), a solução para essa questão foi apresentada por Benjamin Franklin em 1754, mas só ganhou força em 1781 quando os estados assinaram um tratado de união em forma de confederação: os Artigos de Confederação. Esses artigos não eliminaram a autonomia nem a soberania de cada estado, mas prescreviam a união perpétua entre eles, passando a designá-los Estados Unidos Reunidos em Congresso e, posteriormente, Estados Unidos da América. Todos se submeteram a uma Constituição Fe­deral baseada na crença nos direitos naturais do indivíduo, no antiabsolutismo e na divisão entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Para compreender o ideal separatista presente no sul do Brasil, devem-se esclarecer as diferenças entre federação e confederação. Para Dallari (1986), a diferença básica reside nas bases jurídicas. Na confederação, os integrantes encontram-se associados por um tratado que guarda a soberania do estado participante, no qual continua respondendo por si próprio, delegando atribuições à União, só preservando os poderes que os Estados lhe conferiram. Na federação, os estados sub­metem-se a uma Constituição comum, restando-lhes de seus antigos poderes somente aqueles que a Carta lhes assegura.

Molon (1994) apresenta o autor Allyrio Wanderley como o teórico do separatismo no Brasil. Segundo Molon, Wanderley fundamenta o separatismo em seu livro As bases do separatismo (1935), resultado do momento que o País vivia na década de 1930, período que transmite ao autor a ideia de que a derrocada financeira, a instabilidade política e a inquietação social são sintomas de um único fenômeno: a morte do Brasil.

Para Wanderley (apud Molon, 1994), cada região bra­sileira se encontra em diferentes graus de desenvolvimento e situações geográficas, cabendo a cada uma necessidades e recursos distintos. Para melhor satisfazer suas necessidades, o ideal, segundo o autor, é estarem separadas, uma vez que juntas não há meios de fazê-lo, pelo fato de a União adotar me­didas homogêneas que se tornam inúteis em algumas regiões. Para o autor, romper com a unidade é um meio de acabar com o “aparelho central de desgoverno, parasita, sanguinolento e tentacular” que trava o desenvolvimento autônomo das regiões. Grande parte do discurso do Movimento Separatista Sulino atual se baseia nos conceitos de Allyrio Wanderley.

É bem verdade que, em toda a história, o povo brasileiro aparece como coadjuvante do processo, embora os atores envolvidos falassem em seu nome e afirmassem, a todo o momento, a legitimidade de suas campanhas, assentadas sobre a vontade popular. Foi assim em todos os movimentos separatistas do século XIX. No caso da Revolução Per­nambucana (1817), da Revolução Farroupilha (1835), da Sabinada (1838), todos os agentes históricos insistem em afirmar que era a vontade do povo fazer valer sua autonomia, mas escondem a intenção de uma elite agrária que visava ao poder e ao controle de determinada região.

Outros exemplos de movimentos separatistas podem ser destacados. No mundo todo, várias frentes separatistas procuram emancipar suas regiões; muitas vezes, essa luta deixa de ser pacífica e passa a ser armada, violenta. Pode-se destacar o movimento separatista no norte da Itália, liderado pela Liga Norte. Na Bélgica, onde flamengos e valões procuram emancipar seus Estados. No México, onde Chiapas tornou-se palco das lutas zapatistas. No Brasil, pode-se afirmar que, em praticamente todos os estados, há um movimento separatista para formar um novo país ou para tornar uma dada região um novo Estado. Entre eles, pode-se destacar o movimento separatista de São Paulo, do Nordeste Independente, da Bahia Independente e o Movi­mento Separatista Sulino, que pretendem emancipar seus estados e criar um novo país. Também temos movimentos emancipacionistas em diversos bairros e distritos de grandes cidades para formar um novo município, apoiados pelo Fundo de Participação dos Municípios. Movimentos por novos estados são encontrados em várias regiões do país, entre elas, na região do Triângulo Mineiro, no sul da Bahia, para formar o estado de Santa Cruz e na região de Itapeva (sul e sudeste de São Paulo), que pretende formar o estado de São Paulo do Sul.

Referências bibliográficas

MOLON, N. D. Colapso da União: o separatismo no Brasil. São Paulo: Pensieri, 1994.

* É autora do livro Cultura Gaúcha e separatismo no Rio Grande do Sul. Editora Cultura Acadêmica.

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COMENTÁRIO
Trata-se de grande falsidade, diversamente difundida, a ideia de que qualquer luta política envolvendo um todo coletivo nacional só pode ser exitosa, caso venha a ser comandado pelas elites, que buscam transformações de maneira a manter seu status quo de dominação ou mesmo aumentá-lo. Vários historiadores vem, não de hoje, tentando clarear um pouco essa visão de que as revoluções são possíveis graças a ação coordenada das elites. Exemplo disso é a já clássica obra de Christopher Hill, O Mundo de Ponta Cabeça.

Publicado originalmente em 28/12/2013

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