sábado, 25 de dezembro de 2021

O Estado e a patogênese brasileira (excerto de um ensaio em preparo)

14/10/2016

JÚLIO BUENO

O texto a seguir é parte de um ensaio histórico em preparo sobre a história Paulista e as bases do espírito Paulista.
CRÉDITOS AO AUTOR.


Os males e as virtudes de um país se encontram no corpo de sua história. Não há povo, nação ou país essencialmente perverso ou naturalmente sem atributos positivos. Todo povo é, como o próprio individuo, de natureza ambígua: bom e mau. Também não são os povos eternos e, muito menos, os países. Os homens nascem, crescem e morrem e, como eles, assim se dá entre as nações. Para que nascesse o Brasil, este país teve de ter um período de gestação no ventre português. De igual forma, como os filhos herdam caracteres de seus progenitores, também os países carregam o DNA dos povos primevos que os formaram. É impossível falar da América Portuguesa, do Brasil, sem falar antes de Portugal.

O nascimento da Nação Paulista foi em 1139. Eis a nossa gênese. Não em 1554 com a fundação de São Paulo ou antes com Santo André da Borda do Campo, nem São Vicente e nem mesmo Cananeia. Nascemos com dom Afonso Henriques, que herdou o Condado Portucalense de seu pai, Henrique de Borgonha, e com audácia separou seu condado do Reino de Leão, jurando lealdade diretamente ao Papa. São Paulo nasceu nesse rompimento, séculos antes da expansão marítima portuguesa, dentro do mais puro medievalismo e do melhor da tradição cavalheiresca.

Deve se dizer que não só São Paulo nasceu com a secessão praticada por Dom Afonso Henriques. Desse parto todos os lusófonos nasceram e até hoje guardam maior ou menor parte da herança genética das características culturais portuguesas. Alguns desenvolveram doenças, pestes, anomalias. A patogênese dos males do Brasil é que por hora nos interessa.

O ESTADO PORTUGUÊS
O pioneirismo português no campo das ciências náuticas é notável. A Escola de Sagres não existiria sem um projeto prévio, expansionista, quais os fundamentos se assentam sobre o bom messianismo católico, da mesma raiz daquele que imaginaria no século XVIII o Padre Antônio Vieira ao profetizar o Quinto Império, o império cristão por excelência, que prenunciaria as dores do fim dos dias, do fim da história, a partir da leitura do livro de Daniel,2.

A expansão portuguesa não teve um mero carácter econômico, pois em sua base se encontra, antes de tudo, a fundamentação espiritual, que por sua vez é essencialmente civilizacional, construtora. Marcante será na personalidade do Paulista esse mesmo perfil, que ao tomar uma iniciativa material, sempre irá se preocupar em erigir um monumento à civilização. Assim chamaram o Paulista como “plantador de cidades”, pois por onde transitava ali deixava a marca de sua criação, não apenas de simples exploração econômica.

Notório até onde caminhamos é a presença do elemento católico nesta análise. Portugal é um dos luminares, junto com a Espanha, do mais reacionário catolicismo romano. A mentalidade medieval, sustentada na doutrina e no magistério da Igreja condena o lucro. Por ser tão católico, Portugal pagará sua pena, mas este não é o seu maior pecado. A mentalidade do estamento burocrático português será o maior mal da vida dos povos lusos.

A nobreza e o estamento burocrático português são essencialmente centralizadores. Portugal não é um país de grandes áreas autônomas, sendo, inclusive, considerado por muitos historiadores, o primeiro estado-nação moderno. Antecipando-se, o absolutismo monárquico luso é a prefiguração do que a Europa ainda iria ver e sentir, após completar-se essa transição política do feudalismo para o absolutismo e para o mercantilismo.

Economicamente, Portugal teve de se lançar ao mar, como a sua vocação geográfica lhe impele. O comércio de especiarias com as Índias, com o Oriente em geral e com a África, nas feitorias montadas era realizado. Dado momento chegaria também à América. Junto a isso há que se compreender o fenômeno do monopólio régio, onde a Coroa organizava e controlava a economia, concedendo privilégios para a exploração de determinados setores comerciais à burguesia e mesmo membros da nobreza. Esse sistema, típico na Europa da expansão marítima, é a origem do patrimonialismo, fenômeno que consiste na confusão entre o interesse público, do estado, e o interesse individual, comercial. Junto ao patrimonialismo, o modelo econômico do capitalismo comercial (conhecido também como metalismo ou bulionismo) ainda é prodigioso em formar burocratas e a criar entraves para a livre iniciativa econômica. Patrimonialismo e cartorialismo, eis o modelo do estado português que será transposto para a América.

Entre outros, destaco o que disse o professor Arno Wehling, em Formação do Brasil Colonial, que afirma ter tido o Brasil um estado antes (enquanto instituição) do que ter ser formado enquanto nação. A mais pura verdade é essa afirmação. A consolidação do Estado Nacional brasileiro é até hoje muito fraca, inconclusa e o tanto que ela caminhou até nossos dias foi pela força e pelo autoritarismo do Estado que os “donos do poder” (expressão de Raymundo Faoro) controlam.

Em 1532, em São Vicente foram realizadas as primeiras eleições da história do continente americano. Mal havia povo, exceto índios, e já uma câmara municipal foi criada e representantes foram eleitos. Marcante é esse caso por dois pontos: o primeiro por ter sido feita esta eleição em São Paulo e isso se demonstrará como fato marcante e característico do estado Paulista, por seu perfil liberal e democrático e, em segundo lugar, mostra como a tradição portuguesa privilegia as instituições de governo, de estado, sempre no nascimento de um novo foco de civilização.

Uma das funções que mais interessava à Coroa e que a motivava a buscar dar algum sentido e organização ao Brasil era a sanha existente para que a nova colônia desse lucro ao estado português, seja por meio do monopólio régio da exploração de algum bem, como o Pau Brasil ou mesmo a cana de açúcar ou, simplesmente, pela cobrança de impostos, que ajudaram a sustentar os empreendimentos e aventuras portuguesas por todo o mundo e também a boa vida da alta burguesia e da nobreza do Reino.
Portugal cobrava um quinto de impostos. Hoje esse valor é, em muito, superior, pago pelos Paulistas à Brasília (ou Nova Lisboa).

A formação histórica do Brasil é marcante pela atuação da mão forte do estado, seja no empreender, seja no recolher impostos. Como para compreender o presente é sempre necessário olhar em perspectiva histórica, olhemos para o período colonial e ali enxergaremos o surgimento de muitas chagas que afligem este país até hoje. São doenças de tamanha gravidade que a administração do remédio pode significar a morte do corpo. Pessoas mais racionais diriam que um corpo cansado, sofrido e atormentado por tantos anos de lamento e sofrência, após a morte há de repousar, sendo, portanto, a cessação da vida, um alívio gratificante.

*É professor de História e foi presidente do MSPI

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