sábado, 25 de dezembro de 2021

A predestinação dos Paulistas

14/06/2017


JÚLIO BUENO

O caminho de qualquer agrupamento político de sucesso ao longo da história não é simples e quando, equivocadamente, alguns indivíduos pensam que as guerras ou revoluções, ou mais tecnicamente conceituando, as rupturas históricas, se dão de maneira espontânea e rápida, como de uma hora para outra, eles não poderiam estar mais errados. Por mais que na superfície uma mudança aparente tenha ocorrido sem maiores motivos aparentes ou razões profundas, estas, sem sombra de dúvida, somente puderam ocorrer por meio de uma série de transformações, lentas construções sociais, mudanças, sedimentações psicológicas por meio da cultura, que possibilitaram que, num dado momento, após a acumulação de certas bases, tal mudança histórica de relevância se torne incontingente e venha, portanto, a se realizar.

Feita esta fundamentação passemos então ao caso concreto que nos importa aqui que é a secessão de São Paulo.

Ao fazer um exame breve e panorâmico da História de São Paulo, desde o século XVI, nós encontramos a presença de uma série de pressupostos que nos levam a concluir que a predestinação de São Paulo é a independência.

Desde quando o europeu aqui chegou e começou a construir uma nova civilização, uma civilização diferente de tudo aquilo que até então se conhecia, marcadamente euroamericana e Ocidental, São Paulo vem demonstrando que não tem outro caminho a percorrer e por mais que se perca no meio de pedregais e sendas tortuosas, sempre os Paulistas encontram o caminho da autodeterminação, que segue direção oposta da do Brasil, que marcha pelo caminho da servidão.

Já no século XVI em São Paulo se realizavam eleições, com mandatos relativamente claros e definidos, com uma organização que pouco se conheceu no continente americano, sempre marcado pelo domínio inconteste de elites predatórias e mesquinhas, além do típico caudilhismo e seus pronunciamentos, até as primeiras décadas do século XX. Aqui também se encontrou, como em nenhuma outra parte da colônia portuguesa na América, a pequena e média propriedade rural durante o período colonial e a importância disso reside justamente no fato de que a capilaridade de propriedade existente entre os Paulista os tornou mais iguais. São Paulo conseguiu a incrível proeza de unir as glórias das conquistas territoriais e culturais tipicamente aristocráticas com as vantagens dos princípios de liberdade e igualdade (faço aqui uma ressalva: não se deve entender a “democracia à Paulista” dos primeiros séculos de nossa história com os países democráticos contemporâneos; os sentidos aqui estão indo de encontro por verossimilhança).

De igual forma em outros momentos de nossa história tão rica podemos contemplar a capacidade inata do Paulista de exercer a busca por sua autodeterminação. Do episódio denominado de “A Aclamação de Amador Bueno” até a Guerra dos Emboabas, já no início do século XVIII é que encontramos a consolidação da identidade Paulista. A formação do “Nós, Paulistas” em contraposição ao Emboaba, o “cão traidor” sempre reconhecido nas figuras dos não-Paulistas e a presença de um sentimento comum, unívoco, que mostra a existência concreta e palpável de uma comunidade já consolidada, com uma conjunção clara de interesses e um desejo de ser reconhecido como povo, nação e mesmo país. Por muito pouco São Paulo não foi o primeiro país de toda a América em 1641.

Esse espírito e esse desejo de autodeterminação em São Paulo hoje, mesmo que pareça inexistente, ainda persiste, mesmo que tenha que enfrentar inimigos mais astutos e mais obstinados do que a Coroa Portuguesa, os índios bravios ou os jesuítas dos séculos XVII e XVIII.

E, diante dessa constatação e dessa crença de que o Paulista ainda é possuidor destes predicados e dessa vontade, que é geral, em se declarar, em se autodeterminar, é factível, de forma absoluta, que São Paulo em breve venha mais uma vez surpreender os passivos brasileiros com a sua altivez.

O que os movimentos separatistas modernos fazem é servir como agente catalisador dessa predisposição Paulista para a independência. Em 1932, durante a Revolução Paulista que, embora não fosse separatista era franca e abertamente autonomista (a constituição era o instrumento próprio e adequado para fazer com que São Paulo reavesse sua autonomia, roubada dois anos antes por Getúlio Vargas com seu golpe de estado) uma boa parte da intelectualidade era secessionista. Durante a guerra figuras como Mário de Andrade ajudaram a redigir o jornal “O Separatista” que era distribuído para as tropas no meio das frentes de combate. Encerrado o conflito militar, ainda outros ilustres intérpretes de nossa terra permaneceram sustentando a opinião de que somente a secessão importava aos Paulistas. Alfredo Ellis Júnior, professor fundador da cátedra de História da USP, deputado Paulista de sangue quatrocentão, junto com René Thiollier, mecenas, grande incentivador cultural inclusive na Semana de Arte Moderna de 1922, fundaram a Liga Confederacionista, que pregava a confederação que daria soberania aos estados, como uma forma de subverter as vistas do leviatã getulista que permanecia inamovível em sua perseguição aos Paulistas e a seu desejo de emancipação. Monteiro Lobato foi separatista aberto e declarado. Indícios fortes também apontam que Guilherme de Almeida, o “Príncipe dos Poetas” e o empresário Cásper Líbero de “A Gazeta” também fossem entusiastas da ideia da secessão. Outro separatista, Paulo Prado (confuso, controvertido, bipolar, mas separatista) que escreveu dois importantes ensaios Retrato do Brasil e Paulística, onde analisa, com aquilo que aprendeu de seu mestre intelectual no campo da história, Capistrano de Abreu, a situação do Brasil e chega a clara conclusão de que este é um país sem futuro, como é uma criança de corpo mal formado, sempre tendente, por isso mesmo, a manifestar toda a espécie de doenças que lhe causarão dor e pesar por toda a sua existência.

Em 1932 a mentalidade era outra e a cultura também. Embora esteja mantida na psicologia do Paulista a vocação e a predestinação para a autodeterminação, esta hoje está separada na maior parte do tempo de sua companheira, a cultura. A nossa cultura foi criteriosamente atacada por nossos inimigos como não aconteceu com nenhum outro povo no Brasil. Poucos paralelos podem ser traçados com aquilo que o governo federal fez com a cultura e as tradições Paulista. Qualifico o que foi feito aqui com aquilo que os países vencedores realizaram nas duas Alemanhas depois da Segunda Guerra Mundial: uma desnazificação. O Brasil realizou com São Paulo algo semelhante em método e em intensidade: despaulistou o Paulista.

Nossa cultura, aquilo que serve de manto a cobrir a todos os indivíduos perante o frio da noite da individualidade e da solidão existencial nos foi tirado. O Paulista foi desgarrado dos seus, tornando-o preza fácil para os lobos devoradores do governo federal. Mesmo diante disso e sozinho o Paulista consegue se sustentar frente a tantas investidas.

O caminho de nossa autodeterminação, da secessão e da soberania Paulista não é curto e não é fácil. É como uma estrada com várias pistas ainda a pavimentar. Nossa missão é pavimentar essa estrada ao mesmo tempo que vamos trilhando-a para poder chegar a realizar esse duplo propósito de criar as condições para que os Paulistas sejam agentes de sua própria emancipação e para que nós que constituimos a vanguarda revolucionária de nossa causa consigamos também chegar ao ponto final de nossa caminhada com a certeza de que não nos desviamos do caminho e nem concessões fizemos aos nossos inimigos. O caminho da secessão é a única resposta contra o caminho da servidão.

*O autor é professor de História e foi Presidente do MSPI.

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