J. WASTH RODRIGUES
"As companhias deviam socorrer o 'continente do Viamão', pois, diz o Vice-Rei em sua carta, 'estou persuadido que os Paulistas são os mais próprios homens que o Brasil tem para a vida militar'. "
Deu-se, na Idade-Média, o nome de aventureiros a soldados voluntários, pagos ou não, que se agregavam às hostes, combatendo irregularmente e vivendo do saque. No século XIV, tornaram-se mercenários integrados às bandes, tropas compostas de vagabundos, salteadores e criminosos. Sua história é dramática pois esta gente indisciplinada e rixenta, que servia a quem melhor pegasse, foi uma das grandes preocupações dos chefes militares e dos monarcas, só melhorando no século XV, quando vieram a formar as Grandes Compagnies.
O nome “Aventureiros” aparece em Portugal, já com sentido inteiramente diferente, com D. Sebastião, em 1578, na batalha de Alcacer — Quir. É, então, assim chamado um esquadrão formado de 1400 voluntários fidalgos.
No Brasil, em tempos coloniais, a presença de “Aventureiros” é constatada várias vezes. Na expedição que partiu de Pernambuco em 1614 para a conquista do Maranhão, marcharam, além do corpo de infantaria, conforme relata Pereira da Costa, voluntários chamados Aventureiros “que, separadamente do mesmo corpo, teriam para comandá-los, quando fosse necessário, o cabo que se lhe nomeasse”.
Os chamados Aventureiros da conquista eram companhias irregulares de índios e mestiços, criados para preceder na penetração do sertão às forças regulares, sendo geralmente destinadas a combater as investidas do silvícola. Foram extintas pela Provisão de 19 de dezembro de 1819.
Companhias de Aventureiros Paulistas. A 1 de agosto de 1739, o governador D. Luís de Mascarenhas criou no território de Goiás — então pertencente a São Paulo — duas companhias de pedestres com designação de aventureiros que, pouco depois, foram reduzidas a uma.
A partir da segunda metade do século XVIII, muitas companhias foram levantadas em São Paulo, como veremos, para acorrer às lutas no Sul ou guarnecer fronteiras.
Uma companhia de “Aventureiros” foi organizada por Cristóvão Pereira de Abreu, criada por ordem de Gomes Freire de Andrade a 16 de janeiro de 1752, para integrar a expedição ao Rio Grande de São Pedro, por motivo da execução do tratado de Madrid. Gomes Freire partiu de São Paulo com duas companhias de Santos, ao todo 104 homens, e a Companhia de Aventureiros Paulistas que, com os Lagunenses, somaram 162 homens, sob o comando do capitão Mateus Camargo.
Sob os feitos desta expedição, diz Rio Branco que os Aventureiros de São Paulo e Santa Catarina ajudaram a repelir o ataque dos guaranis, comandados por Sapé, ao forte do Rio Pardo, a 29 de abril de 1754. O forte, que estava sob o comando do coronel Tomás Luís Osório, tinha por guarnição, além dos Aventureiros, infantaria do Rio de Janeiro e Dragões do Rio Grande(2).
Iniciada a luta no Sul contra os Castelhanos, motivada pelas hostilidades destes, chefiados por Vertiz y Salcedo, coordenou o Conde de Bobadela a 28 de março de 1762 ao Governador de Santos, Alexandre Luís de Souza Menezes, que subisse a S. Paulo e formasse um corpo de 200 homens.
Informa Rio Branco que a 1 de janeiro de 1763, foi tomada a “trincheira espanhola do arrio de Santa Bárbara (Rio Grande do Sul) pelo Capitão Francisco Pinto Bandeira, à frente de 230 Dragões do Rio Grande e Aventureiros Paulistas. O principal herói do dia foi o Capitão Miguel Pedroso Leite, Comandante da infantaria de S. Paulo. A trincheira tinha 7 peças que foram transportadas para o forte do Rio Pardo e era defendida por 500 milicianos corrientinos e muitos índios, sob o comando do Tenente-Coronel Antonio Catanix”.
Trata-se, provavelmente, de Aventureiros que ficaram no Sul, remanescentes da expedição de Gomes Freire, ou das companhias de infantaria de Santos, que marcharam para o Rio Grande em 1762.
O Conde da Cunha, que substituiu Gomes Freire (conde de Bobadela) no governo do Brasil e no da capitania de S. Paulo em outubro de 1763, determinou ao governador de Santos, que fossem levantadas 4 companhias de Aventureiros, em todo o território paulista, com 60 homens cada uma, formando-se em Santos um núcleo de exército sob o comando do cel. Mexia Leite. As companhias deviam socorrer o “continente do Viamão”, pois, diz o Vice-Rei em sua carta, “estou persuadido que os Paulistas são os mais próprios homens que o Brasil tem para a vida militar”. E promete o pagamento do soldo “sem demora de dois meses pontualissimamente e ajuda de custas antes de saírem de suas casas”. O soldo oferecido foi de 4$800 por mês.
Traiçoeiramente, D. Luís Antonio atraiu a tropa para São Bernardo e lá, compulsoriamente, escolheu os melhores homens, formando as 4 companhias que, sob o comando do Sargento-mor Teotônio José Juzarte, seguiram para Santos a 11 de Setembro de 1765 e lá ficaram de prontidão(3). Como sempre, o magnífico soldo e as vantagens prometidas aos aventureiros com tanto açodamento pelo Conde da Cunha foram esquecidos.
Surge, neste momento a grave questão da situação destas companhias em face da organização do exército pois, criadas em emergências, não se enquadravam em nenhuma das três linhas existentes: tropa paga, auxiliares, ou ordenanças; daí a dificuldade para a legalização do soldo prometido, mandando embarcar as companhias para o Rio Grande, e aqueles que não o aceitassem ou não quisessem embarcar, que fossem castigados. De fato, embarcaram a 3 de janeiro de 1766 e chegaram à fronteira do Viamão a 14 de fevereiro do mesmo ano.
A 21 de maio de 1767 foi feito um novo pedido, o de mais 90 aventureiros. Em carta de 14 de setembro do mesmo ano a D. Luís Antônio, pediu o Conde da Cunha que as 4 companhias se recolhessem aos seus quartéis pois chegara tropa de Lisboa com o general Bohm e o Engenheiro Brigadeiro Funck. Efetivamente, os Aventureiros voltaram do Sul em janeiro de 1768.
Bohm era alemão e estivera em Portugal na comitiva do Conde de Lippe, em 1762, sendo um dos seus mais distintos oficiais. Em 1765, voltou a Portugal a pedido de Lippe, e, em 1767, veio para o Brasil, enviado pelo Marquês de Pombal, como tenente-general comandante em chefe de todas as tropas na campanha do Sul. Terminada esta com a vitória, voltou para o Rio em janeiro de 1779, sendo festivamente recebido. Devido a uma queda de cavalo, veio a falecer em junho do mesmo ano (Rio Branco diz a 22 de dezembro de 1783) sendo sepultado no Convento de Santo Antônio, pois se havia convertido ao catolicismo.
Em 1772, três companhias de Aventureiros figuram na guarnição do forte ou presídio do Iguatemi. Este forte, situado à margem do rio Iguatemi, perto da foz do rio das Bogas, no Sul do Mato Grosso, foi fundado em 1765 pelo capitão João Martins de Barros, por ordem de D. Luís Antônio, para conter as incursões espanholas. Suas defesas, formadas de cinco baluartes e dois meios baluartes em terra batida e faxina, só terminaram em 1770, sendo armadas com 14 canhões.
A guarnição foi composta de cinco companhias de Aventureiros Paulistas e uma de artilharia do Rio de Janeiro, num total de 300 homens. Sofreram estes soldados e a população civil, durante anos, toda a sorte de provações, misérias e doenças, com enorme perda de vidas.
Em 1774, o forte foi atacado pelos Gauicurus. Em 1776, recebeu um reforço de 78 soldados do Regimento de Infantaria de S. Paulo, de Mexia Leite. Rendeu-se aos castelhanos comandados por D. Agostinho Penedo, em 27 de outubro de 1777, sendo arrasado.
Destacam-se, na triste história deste forte, o sertanista Teotônio José Juzarte que comandou por algum tempo sua guarnição e deixou um Diário onde narra o que foi a vida na praça; o capitão João Martins de Barros e o vigário Antônio Ramos Louzada, que teve a desdita de assinar a capitulação — pois estava a praça sem comando — e por tal crime passou 19 anos encarcerado no Forte da Barra, em Santos.
A 10 de agosto de 1774, promete D. Luís Antônio ao vice-rei a formação de mais uma companhia de aventureiros ou caçadores, precisando para isso de um oficial.
Em 1775, são reorganizadas as tropas de S. Paulo a fim de seguirem para o Sul em vista de novas lutas, criando-se então a Legião de Voluntários Reais. Com isso, tendem a desaparecer os aventureiros; no entanto, em carta de 1777 promete Martim Lopes Lobo ao general Bohm a formação de uma companhia de aventureiros (de caçadores como então eram chamados) “de 100 homens fortes e resolutos que chamam caneludos”, projetando criar em seguida outra. Essa notícia enche de júbilo o general em chefe, que a 2 de junho do mesmo ano, não escondendo sua alegria ao governador, escreve sobre a notícia: “é a mais agradável que v. excia. me dá da formatura de uma companhia de aventureiros de cem homens, que eu receberei de braços abertos, e beijos às mãos de v. excia. pela mercê que nisto me faz particularmente”. Tal promessa não teve efeito em vista do armistício assinado.
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Excerto do livro "Tropas Paulistas de Outrora". São Paulo: Governo do Estado, 1978.
Publicado no Facebook pela ótima página TRADIÇÃO PAULISTA
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