sábado, 25 de dezembro de 2021

O Separatismo olhando o Bolsonarismo.

08/06/2019

JÚLIO BUENO
IMAGEM REPRODUÇÃO SITE PODER 360.

Não havíamos publicado nesse espaço ainda nenhum comentário sobre o momento político que o país passa atualmente. Penso que é momento de dizer alguma coisa sobre o governo Bolsonaro e sobre o Bolsonarismo.

A visão de mundo desse escriba passará sempre por um filtro que leva em consideração a ideia da independência de São Paulo, portanto, tudo o que aqui está é claramente enviesado por esse olhar, porém, sem deixar de firmar bem os pés no chão para olhar a realidade que está no nosso entorno.

O ano de 2018 coroou um processo de ruptura política cujo início aconteceu em 2013, com as manifestações contra o aumento das passagens de ônibus, lideradas, em boa parte, pelo Movimento Passe Livre (MPL). Por que em 2013 temos o início dessa ruptura? É o momento em que uma pauta pequena, um tema municipal (aumento no preço do transporte público) se transforma em um fenômeno não ainda muito bem esclarecido e nem compreendido, mas que acabou se transformando em uma revolta "contra tudo o que aí está". De um tema específico se partiu para o geral: do transporte para a saúde, a educação, a corrupção. A insatisfação com aquilo que o estado oferece estava clara. Nada claro estavam as soluções. As pessoas queriam melhores serviços, mas sem dizer como isso se daria, como seria financiado, quem levaria isso adiante. A única sensação geral é que era preciso mudar tudo o que havia no país em matéria de relação do povo com o estado.

Havia uma sensação que o povo começaria a ser, finalmente, de alguma maneira, protagonista da história política do país. Quem estuda a América Portuguesa sabe que as principais sagas históricas dos movimentos políticos brasileiros são lideradas pelas elites e por um estamento burocrático alojado em um consórcio em todas as instâncias de poder. O povo é um mero detalhe, figura complementar, elemento coadjuvante. O povo pode dar volume, mas não cria o movimento, nem o lidera, apenas é conduzido por seus líderes (vindos da elite do país). Essa sensação que em 2013 havia (e que ainda há na mente de muitos) é enganosa. 2013 foi uma jacquerie. Só uma estudantada generalizada. Marcou justamente por não ter uma pauta única de reivindicações e por não ter conseguido gerar nenhuma liderança. Se não foi espontânea, tal revolta talvez possa ser entendida como o fruto da tentativa de instauração de um caos revolucionário, cujo os rumos saíram das mãos de seus idealizadores, mas não pode ser entendida como um movimento político propositivo, portanto, ativo, persistente e constante.

Não consigo ver um liame entre 2013 e as manifestações direitistas que começaram a ganhar corpo no ano seguinte, em oposição à candidatura de Dilma Rousseff. Não há clareza nisso. Os objetivos são colocados num eixo algo semelhante, mas agora não mais o inimigo a ser atacado pela turba é alguém aleatório e sem rosto, como a classe política ou os burocratas, o inimigo passou a ser o governo petista, encarnado em suas duas principais lideranças, os ex-presidentes Lula e Dilma. Não mais "não são apenas R$ 0,20" , mas "Fora Dilma, Lula e o PT".

Porém, todas essas manifestações tem justamente um eixo comum, que é a crítica à classe política. É uma crítica não totalmente clara, mas real, contra um estado que cobra muitos impostos e que oferece serviços públicos horrendos. Um estado que gasta mal seus recursos e que sustenta uma classe de dirigentes políticos corruptos, cuja ligação com o seu eleitorado já havia desaparecido fazia muito tempo.

Ao mesmo tempo em que as ruas passaram a ser constantemente fechadas por manifestações, direitistas, a internet crescia e se popularizava e com ela o domínio das redes pelas ideias de direita, conservadoras, liberais e intervencionistas. No Twitter e no Facebook, as milhares de manifestações anti-esquerdistas são diárias. O anti-petismo tem a maior presença e foi durante dez anos o lema principal e quase único dos manifestantes digitais. Tal sentimento só perde o seu protagonismo a partir de 2017, quando as pessoas começam a deixar de apenas perseguir o PT e passam também a apoiar uma pessoa que encarna todo o anti-petismo: Bolsonaro.

Jair Bolsonaro, que durante a maior parte de sua carreira parlamentar foi um representante dos interesses corporativos das classes militares, tendo fortíssimo pendor intervencionista e estatista (como, aliás, é tradicionalmente o perfil das Forças Armadas brasileiras), foi também um personagem pitoresco do baixo clero por muito tempo, frequentador de programas sensacionalistas, sempre tendo na sua frente a marca de machista, racista e até mesmo nazista! Aos poucos foi ganhando apelo nas redes sociais, até começar a pensar a sério em ser presidente, coisa que, segundo ele e seus filhos, teria acontecido após as eleições de 2014, quando ele já foi o deputado federal mais bem votado do Estado do Rio de Janeiro. Conforme suas pretensões ao executivo foram se tornando mais claras, também seu perfil foi se adequando, buscando uma expansão do seu eleitorado possível. É o que demonstra sua adesão de oportunidade ao liberalismo econômico. É o que também demonstra ele ter controlado suas declarações sobre mulheres e homossexuais. Tudo isso foi feito pensando em uma lógica eleitoral, para reduzir sua rejeição (sobretudo sobre o eleitorado feminino) e aumentar sua base de eleitores. Como estratégia política está correto. Em 2002 o petismo fez algo semelhante, com a estratégia do “Lulinha paz e amor”, levando o petista em direção mais ao centro do espectro político.

Penso que Bolsonaro, apesar de larga experiência como parlamentar, de ter passado por várias legendas partidárias, acabou sendo encarado pela população como um “não-político”, como alguém que andou no meio da podridão congressual e não foi contaminado. Essa imagem foi colada sobre ele e até o momento não desgrudou (apesar das acusações envolvendo funcionários fantasmas no gabinete de seu filho nº1, o senador Flávio Bolsonaro, quando era deputado estadual no Rio e de suas ligações com milicianos e também de sua assessora que dava expediente vendendo açaí).

Certamente ainda é bastante cedo para dizer como será o governo Bolsonaro. São apenas seis meses. Verdade é que são seis meses claudicantes. Há um claro descompasso entre os setores do governo, abertamente dividido entre uma ala ideológica, conservadora-liberal e o setor positivista-militar, mais pragmático. O presidente precisa ficar sambando entre esses dois grupos e entre as demandas por boquinhas solicitadas por parlamentares, acostumados por muito tempo com todo o tipo de apadrinhamento político em repartições públicas e empresas estatais. Até onde a vista alcança, até agora o presidente Jair Bolsonaro tem se mantido firme em evitar ao máximo nomeações de cargos de menor escalão que tenham sido indicadas por deputados e senadores.

Chama a atenção a ação descoordenada de alguns órgãos, como o MEC, ministério mais ideologizado e dominado por uma esquerda orgânica, onde os quadros técnicos concursados estão massivamente enxertados em uma visão progressista de ensino e de sociedade. Me parece que há muita dificuldade do governo em se acertar nesse ministério (essa visão minha também é compartilhada por grande parte dos analistas da grande mídia). No Ministério das Relações Exteriores também parece existirem certos problemas que poderiam ter sido evitados, como a falta de estabilidade da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX). Contudo, penso que esse tipo de manquitolância e desacerto são aceitáveis e compreensíveis. A estrutura burocrática do estado é muito profunda e muda-la em poucos meses é trabalho muito pesado. Melhor e mais fácil seria mesmo extinguir a maior parte dos órgãos que justificam a existência da burocracia do Governo Federal (aposto que o ministro da economia Paulo Guedes concordaria comigo).

Jair Bolsonaro como presidente da República não existiria sem a internet que deu a chance a uma direita política que sem um norte muito claro, tendo apenas por base o senso comum, pudesse ter força e coordenação capazes de vencer uma eleição e de derrotar partidos tradicionais muito bem fixados no poder estatal, como o MDB e o PT. A eleição de 2018, com o fenômeno do Bolsonarismo simplesmente varreu a política tradicional para baixo do tapete. Aquelas raposas velhas que restaram ainda no Congresso hoje lutam para sobreviver. É o Centrão que tanto tenta barganhar com o presidente, vendendo os seus votos em troca de indicações políticas.
Mesmo que venha a cair amanhã, Bolsonaro pode pegar seu chapéu e ir pescar em Angra dos Reis e passar o resto da vida se sentindo um vitorioso, pois a vitória que teve no ano passado é uma conquista que não poderá ser apagada da história por nenhum revisionismo. Jair Bolsonaro teve seu mérito em conseguir surfar na onda do anti-petismo e ser visto como o único candidato a permanecer impávido colosso a não se sujar com as maracutaias e com a corrupção. É o homem limpo e simples contra aquele que um dia foi visto também como limpo e simples, mas hoje todos sabem que é mais sujo do que qualquer coisa. Bolsonaro é a antítese do Lula. Simples assim. Se será uma antítese na mesma força ainda não temos como saber.

Precisamos agora, depois dessas análises que fizeram um retrospecto das agitações populares que acabaram levando o país ao governo mais conservador da história republicana desse país, passar o olho sobre a Causa Paulista e o Separatismo diante do cenário político atual.

Existe no governo algum burburinho que nos faz pensar que conversas a favor do federalismo existam. Paulo Guedes defende publicamente medidas federalistas (mais como um produto derivado do seu liberalismo). Um dos lemas da campanha de Bolsonaro foi “Mais Brasil, menos Brasília”. Eduardo Bolsonaro e seu pai já fizeram elogios públicos ao modelo americano de federalismo.

Outra coisa que chama a atenção é inexistência de ministros oriundos da região Nordeste do país. Isso pode parecer bobagem (ou, dependendo de quem ler esse texto, apenas xenofobia), mas o Nordeste sempre teve seus coronéis bem representados no poder executivo e nesse governo, pelo menos até agora, isso não aconteceu. Sabemos que as classes políticas nordestinas vão as mais reacionárias a qualquer mudança institucional no estado brasileiro. São políticos acostumados a não ter que criar políticas que gerem riqueza, antes, escoram-se nas transferências de verbas federais e em obras públicas tocadas pelo próprio Governo Federal. O mesmo fenômeno se observa também nos estados da região Norte.

Tirando esses dois aspectos, o atual governo é apenas mais um governo que continua sugando o dinheiro dos impostos Paulistas. Nada há o que o diferencie de governos anteriores.

Mesmo que reformas liberalizantes na economia sejam feitas, isso não irá alterar a situação de subjugação tributária que o Estado de São Paulo está submetido. Por mais que a economia venha a sair da crise com a Reforma da Previdência (o que é questionável), a Guerra Fiscal contra São Paulo vai continuar existindo e dilapidando nosso parque industrial. Por mais que o governo fale em descentralização não há nenhuma garantia de que São Paulo será menos roubado do que é hoje. E, ainda assim, se fôssemos roubados em R$ 400 bilhões e passássemos a ser roubados em “apenas” R$ 300 bilhões, ainda assim estaríamos sendo brutalmente saqueados pelo Governo Federal. Os Paulistas precisam entender que o Governo Federal é nosso inimigo, independente de quem seja o Presidente da República.

Ainda estamos vivendo uma onda Bolsonarista. Em São Paulo o presidente tem ainda muito respaldo e apoio político popular e entre o setor produtivo. O tipo de apoio que ele recebe não se sustenta apenas na pauta econômica, embora a saída das pessoas às ruas para defender, em pleno domingo, a Reforma da Previdência seja um fato notável que demonstra o grande apoio que Bolsonaro ainda dispõe.

Nada impede que uma pessoa seja separatista e apoie as medidas tomadas pela atual gestão do Governo Federal. O que é assombroso é as pessoas, antes céticas com a viabilidade do Brasil enquanto país, passassem a se esquecer dessa inviabilidade e também tenham deixado de lado os assuntos ligados à Causa Paulista, apenas para falar do Governo Federal. O anti-petismo cegou de tal forma as pessoas em São Paulo que isso as impede de ver que Bolsonaro também irá sustentar seu governo com os tributos arrecadados em São Paulo. Sai o vermelho de Brasília e volta o verde-amarelo dos militares e nós Paulistas continuamos sendo roubados.
É preciso haver um reagrupamento dos separatistas Paulistas para podermos esclarecer nossa população dessa realidade e partimos para uma ação direta mais efetiva. É preciso sair da dormência que o Bolsonarismo criou em São Paulo.

*O autor é Professor de História e ex-presidente do MSPI.

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