sábado, 25 de dezembro de 2021

São Paulo na Primeira República

18/10/2016

JÚLIO BUENO
  • Modernização do logo do PRP feita por Harley Vidor, para o MSPI
  • Costumam apontar em Getúlio Vargas, como seu grande mérito, a industrialização do Brasil e, em menor grau, a adoção das leis trabalhistas. Analisemos isso de maneira mais demorada.

    Cabe ressaltar que a industrialização começa pra valer na república após 1914, quando se inicia na Europa a Primeira Guerra Mundial. Dados vem mostrar a extensão do franco crescimento da indústria que se deu nesse período.

    Em destaque devemos dizer que essa industrialização só foi possível pela prévia acumulação de capitais que os grandes fazendeiros fizeram, de modo que a indústria, sobretudo em São Paulo, não haveria de crescer e ter a força que tem até hoje se não fosse a atividade econômica predominante anteriormente, no caso, a cafeicultura. Nas eleições de 1930, Júlio Prestes
    recebeu franco apoio da classe industrial Paulista.

    A Primeira República realmente é o período de maior justiça entre os estados/províncias de toda a história do Brasil. Foi a fase onde São Paulo foi menos assediado pela União, não sendo por ela, tampouco, beneficiado, mas tendo contribuído de modo muito mais equânime e em nada assemelhado com o verdadeiro assalto que o Governo Federal hoje faz conosco.

    Para se ter uma ideia, Washington Luís, que embora não fosse Paulista nato, era de espírito, manteve em seu governo uma política monetária que não agradava aos cafeicultores, com câmbio fixo que fazia os lucros obtidos com o café cair, graças ao seu valor internacional. Seu governo austero também se recusou a fornecer mais dinheiro ao Instituto do Café de São Paulo. Onde está o favorecimento recebido por São Paulo aqui? Simplesmente não há.

    Muita gente, inclusive pessoas que podem ser consideradas como formadoras de opinião, afirmam que São Paulo só cresceu por que as indústrias aqui foram instaladas durante o período getulista. Nada mais mentiroso! Elas são anteriores ao Varguismo.

    Em 1930, o golpe pelo qual Getúlio Vargas ascendeu ao poder, para um período ininterrupto de quinze anos, nada mais foi do que uma artimanha de um político formado numa tradição política muito particular, o positivismo castilhista, que reinava soberano no Rio Grande do Sul e que soube, diante das circunstâncias do racha existente entre as duas maiores oligarquias do país, a Paulista e a Mineira e, também do apoio de parte da classe média urbana (em São Paulo representada pelo Partido Democrático, que havia surgido de um cisão do velho PRP) e é claro, dos Tenentes.

    A república brasileira estava se moldando ainda dentro de uma perspectiva liberal, com um poder executivo nacional relativamente fraco (se comparado com os modelos de presidencialismo adotado no Brasil, posteriormente) onde a federação era uma realidade e os estados possuíam uma real autonomia frente a União. O castelo da Primeira República ainda estava em construção quando o bárbaro caudilho de São Borja enxergou uma possibilidade de reinar sobre as ruínas que ele mesmo seria responsável por fazer. A República naquele período era um modelo ideal aplicado num país ainda selvagem (até hoje ainda é assim, pois os golpes e rupturas institucionais se sucedem).

    Vargas aproveitará esse vácuo e subirá ao poder. Retirará poder e atribuições dos estados, nomeando interventores de sua confiança nas unidades da federação de modo a manter sobre elas um firme controle. Irá, aos poucos, fazer um ajustamento com as elites, mesmo aquelas mais prejudicadas por seu golpe, inclusive em São Paulo, pós 1932. Nossas elites traíram o ideal de nossos heróis que derramaram seu sangue pela autonomia Paulista, se acertando com um ditador assassino que fez uma amarração certa de nossa terra dentro da nova estrutura do estado brasileiro, muito mais centralizado e, a partir de 1937, unitário.

    Os mineiros traíram São Paulo em 1930 ao romperem a "Política dos Estados" alegando que não aceitariam mais um Paulista na presidência, quebrando o revesamento MG x SP, mesmo diante da maior crise econômica da história do capitalismo, que afetava diretamente os ganhos que o país tinha com esse grão e que, por sua vez, justificava a continuidade de um elemento oriundo de São Paulo, portanto mais próximo e mais ligado a toda a cadeia produtiva cafeeira. Na verdade, os mineiros viram uma chance de trair São Paulo e dar um baixo golpe em nosso povo. Assim fizeram e ainda repetiriam a dose dois anos mais tarde.

    Economicamente, Vargas, astuto, também manteve uma política de fortalecimento do café, que era a principal fonte de riqueza do Brasil na época. Defender o café para ele, de algum modo, era motivo de acentuada aflição, pois ao mesmo tempo via nisso uma maneira pela qual as elites Paulistas, que ele tanto deplorava, se mantinham no controle do Estado e de certa maneira fazendo algum contraponto ao seu projeto de poder autoritário.

    Se é verdade que na Primeira República houve muito descaso do grande política frente a algumas questões, como saúde pública, educação, viação e transportes e mesmo em relação às classes laboriosas é por que a estrutura do estado brasileiro não era pensada para se deter sobre tais questões. Como em toda boa federação, o Brasil da época devia enxergar esses problemas como situações a serem resolvidas pelos estados e não pela União, que, em tese, não tinha essas atribuições.

    ​Vargas ao subir ao poder começará com sua política populista e demagógica, que irá tentar trazer para si, de forma amestrada e dócil, tanto as elites de todos os estados, agora mais dependentes da União e também os trabalhadores, que ele irá com maestria cooptar. Se em seu governo Getúlio adotou a Carta del Lavoro fascista como inspiração direta para as leis trabalhistas brasileiras, decisivamente não o fez por crer que com ela estaria mais amparado o cidadão, que passaria a viver com uma perspectiva de trabalho melhor, mas por que assim o indivíduo veria em Vargas o "pai dos pobres" que concedeu a dádiva do descanso e da jornada de trabalho reduzida aos trabalhadores. O velho caudilho nunca pensou no trabalhador, apenas pensava em como cooptar melhor esta classe para dela obter apoio para se manter no poder.

    *O autor é professor de História e foi presidente do MSPI

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