sábado, 25 de dezembro de 2021

A lei da cissiparidade

ALLYRIO MEIRA WANDERLEY



Quando uma nação nasce, começa a morrer. Dá-se com ella o que se dá com todo organismo: o nascimemnto é o primeiro passo para a morte. Traz em si, occulto mas activo, o germen da desaggregação. E' o principio do fim.

Sujeita-a, destarte, uma regra inflexivel.

Poder-se-ia mesmo estudar a biologia das nações, mediante um paradigma cellular. Com effeito, as nações como as cellulas, se multiplicam por seccessão. A scissiparidade nacional é, em sociologia, o que é, em biologia, a scissiparidade cellular. Tem a constancia caracteristica das leis naturaes.

Esse simile biologico vae ás ultimas consequencias e minucias; ajuda-se ao phenomeno sociologico da multiplicação das nações, como um corpo á própria imagem.

E não se limita a reproducção: attinge a conjugação, attinge até a immortalização experimental dos unicellulares.

Se, pois, uma nação é um organismo adstricto a nascimento, crescimento e multiplicação, graças a uma lei que rege a sua evolução essa lei é que determinará, mais cedo o mais tarde, no exercicio da sua soberania, o desmembramento do Brasil....

Objectar-se-á, talvez, que certos organismos vivem em colônias e que a divisão individual não implica em separação, ao passo que outros, multicellulares, devem a existencia á propria aggregação das partes. De facto.

Mas, o fim de todo sêr é viver. E o que conduz a cellula á scisão é ainda essa vontade universal de viver; quando se sente envelhecer e, portanto, approximar-se da morte, busca o rejuvenecimento na seccessão e, com isso, a perpetuação nos pedaços em que se reparte e que renovarão o mesmo cyclo vital, seguido da mesma multiplicação, indefinidamente. Por outro lado, a condição essencial á existencia de qualquer sêr, como especie é a sua adaptação ao meio e a correlação das especies ahi em acção. Donde, a constante procura de um equilibrio e as varias modalidades de associação, que oscillam do commensalismo e da symbiose até o parasitismo, com vantagem para um dos componentes. Nas nações, formadas de partes distintas, a seccessão sobrevem ao rompimento do equilibrio entre ellas e o ambiente, tal qual no unicellular, impossibilitado de sobreviver, sem alguma mutação superveniente, em harmonia com seu meio. Uma se torna nociva ás outras, e exhaure-as ou intoxica-as incapacitando-as para a adaptação, isto é para a lucta contra o universo que nos aggregados humanos, se reduz á manutenção de dadas funcções e organizações: costumes e instituições; então, essas outras reagem, para escapar ao extermínio. Se a cellula não se scinde, entra na decrepitude e morre; se a nação não se desmembra, ganha-a sorte egual. Ora, a biologia e a historia mostram que ambas preferem á anniquilação a sobrevivencia e, assim, sabe-se qual o caminho que seguem nessa aspera bifurcação de destinos.

Veja-se, então, de mais perto isso tudo. E nada melhor que um exemplo, arrancado ao passado, para mostrar na sua nudez o futuro. Um e outro são o fio de um mesmo carretel, que se desenrola com a passiva Constancia da eternidade.

Era uma vez uma nação chamada Roma. Nascera, fosse lá como fosse, crescera e, finalmente, amadurara. Cellula poderosa, palpitando no meio onde brotara, começou a absorver tudo quanto a rodeava. Absorvia e assimilava. Aquilo em que roçava transformava-se como que por magia; sua vitalidade parecia illimitada e, dahi, a intensidade do seu matabolismo. Ficou, como cellula, enorme.

Mas, chegava o momento em que a cellula, maior, principia a criar a cinta, que depois é vinco e que, afinal, se torna corte, separando-a em bocados. E um pedaço da cellula Roma, differenciando-se cada vez mais, apartando-se cada vez mais, certo dia, com um pouco do seu nucleo e do seu protoplasma - vestigios de idioma e de religião, de jurisprudencia e de costumes - desprendeu-se: foi uma nação nova, que teve o nome de Hespanha.

Roma quedou para o seu lado, sujeita a novas secessões; Hespanha, então, iniciou o seu proprio destino de cellula independente. Por sua vez, cresceu; devorou; estendeu-se na medida do possível. E assimilava quanto lhe era permitido. Amadureceu também; e, pouco a pouco, parte do seu organismo pôs-se a divergir, pôs-se a afasta-se. Surgiu, no corpo vivo da cellula, a cinta typica, que após se fez vinco e, por fim, se fez talho. Em summa, a cellula scindiu-se; e appareceu, ahi, Portugal.

Hespanha ao cabo, seguiu o seu caminho, exposta a novas divisões emquanto Portugal, por seu turno, cuidava de cumprir, bem ou mal, o fato de cellula livre. Não podendo crescer para o oriente, onde permanecia, inexpugnavel, a cellula madre, voltou-se para o oeste e achou o mar. O mar, porém, nada lhe dava. Atirou-se contra elle, passou sobre elle e veio, cá na America, procurar aquillo que necessitava: alimento. Encontrou-o. Tomou-o a seu talante. Incorporou-o a si, como é costume das cellulas, absorvendo-o e assimilando-o . Subiu a um alto grau de desenvolvimento.

Todavia, ergueu-se aquella fatalidade biologica, que não permitte estacionamento nem eternizações a nação nenhuma. Esta parte da cellula, então, expontanea e inesperadamente, deu para colori-se, para individualizar-se. Debalde pretenderam retel-a na senda da differenciação: proseguiu com vegetativa regularidade. Aggravou-se, com o tempo, o phenomeno. E, contra tudo e contra todos, a cellula Portugal rompeu-se e o Brasil surgiu, de chofre, como cellula distinta, prompta para a vida em condições normaes...

E' obvio. Essa marcha multisecular e uniforme, hoje, apresenta-se com meridiana clareza até o intimo de cada refolho e de cada detalhe. Exposta assim, mostra visivelmente, na sua Constancia intrinseca, a constancia de uma força causal immanente.

Eil-a em acção, na desordem apparente dos factos e na ordem profunda dos effeitos, a lei de scicciparidade.

A tal altura, quiçá se pergunte: parará ella aqui, aquella caminhada?

Não, sem duvida; não parará aqui, nem em parte alguma. Nisso está o cyclo vital das nações, que é o mesmo cyclo vital das cellulas, semelhante ao de todos os sêres vivos.

Por que haveriam de estacar em nós, os chamados abusivamente brasileiros, a natureza e a historia? Que teríamos nós de especial para que derogassemos as leis que regulam, através dos millenios e dos continentes, o movimento dos povos?

Seria absurdo imaginal-o; esperal-o, seria idiotice.

Por isso mesmo é que, obedientes a esse determinismo biosociologico, já agora avançamos de olhos abertos pela mesma estrada que palmilhou Roma, que palmilhou Hespanha, que palmilhou Portugal: assim como de Roma sahiu Hespanha, de Hespanha sahiu Portugal, de Portugal sahiu o Brasil, assim tambem , em breve, do Brasil - cellula que se multiplica por acissiparidade - sahirão novas cellulas, que serão nações novas a scintillar nos mappas.

Não esplende ahi, por ventura, um feixe de translucidas evidencias?

De certo. A unidade eterna das nações seria uma aberração, como a eternidade individual de um homem ou de uma arvore. Não se aponta, hoje, nenhuma que viesse, intacta, do erguer do panno da historia; todas passaram, cada uma de per si, para sobreviver apenas, como as cellulas, na voluvel dispersão das descendencias. Pela mesma razão, repugna á logica se aponte alguma que se destine, dyscola e soberba, em taes condições, á consummação dos seculos: não seria um organismo: seria um prodigio.

E, na terra, não ha mais lugar para o milagre...

Aqui, por acaso, alguém se lembrará de indagar: não se póde impedir indefinidamente a scissiparidade nacional por meios artificiaes? Sim, em theoria; como se póde, em biologia, protelar indefinidamentea scissiparidade cellular, mantendo-se o individuo sempre em ambiente favorável e amputando-se-lhe o protoplasma á medida do seu desenvolvimento. E' a conhecida experiencia de Hartmann com amebas. Por meio de communicações múltiplas, intensas e adequadas, pelo estabelecimento de uma rede continua e progressiva de interesses reciprocos, pela adopção de formas de governo uteis e e beneficas a toda e a cada uma das partes integrantes, é possivel , em theoria, dilatar a unidade de uma nação até o infinito.

A longevidade da immensa Roma talvez se deva, em mais da metade, ao cuidado que tinha ella pelas suas estradas, com funcções ao mesmo tempo economicas, politicas e estrategicas. Em theoria, a cellula é immortal, mesmo sem divisões: por que não o seria egualmente a nação? Trata-se, no entanto, de um artifício experimental, inexequivel sem duvida, e inteiramente fora dos quadros reaes da historia e da natureza. Ninguem pensaria em ter uma patria no laboratorio!

Em semelhante caso, quiçá se afigurasse a alguem possivel tal remedio para o Brasil. Mas, não; nem por sombras. Desde que a cellula inicia o seu processo de acisão, é inútil tentar detel-a: irá ao fim. O mesmo acontece aqui. O processo de scisão nacional avançou demasiado: a differenciação é irreparavel, irreparavel é o esphacelamento. Sabe-se de quatrocentos annos de actividade nesse sentido; há outros, comtudo, que se não logra contar nem medir, e são aquelles que levou o propria terra em se modelar a si mesma, tal qual a encontrou aqui o homem.

E' a geologia que escava o alveo por onde, seculos adeante, rolarão as aguas da historia...

Reprodução autêntica do Capitulo III, páginas 17 a 22, do livro AS BASES DO SEPARATISMO, exemplar nº 1483, de autoria do ilustre paraibano ALYRIO WANDERLEY. Editado no ano de 1935, por A. MEIRA EDITOR, São Paulo.

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