sábado, 25 de setembro de 2021

A Invenção do Brasil

VINICIUS HENRIQUE SIMÕES
Professor de História

“Havia um país chamado Brasil, mas absolutamente não havia brasileiros”
Auguste de Saint Hilaire





Até 1822 o brasil não existia enquanto país, D. Pedro I ,o príncipe regente, estava em desacordo com Portugal ( que estava dominada pelos liberais ) sobre as condições do brasil enquanto Reino Unido, (junto com Portugal e Algarves) ou sua volta enquanto colônia, junto com os moradores do brasil que por motivos econômicos reivindicavam a permanência do jovem regente, pois desde 1808 , ano da vinda da família real Portuguesa ao Brasil, a colônia mudou em muitos aspectos, devido a um acordo com a Inglaterra que garantiria a segurança da travessia da família Portuguesa, que fugia da invasão de Napoleão Bonaparte. Foram abertos os portos para o comercio com os ingleses, também foram criadas as primeiras universidades, hospitais, e uma imprensa oficial, instituições que inexistiam até o momento.

Segundo L. M. Schwartz, em seu livro “As barbas do Imperador” o fato do futuro rei de Portugal ( na época D. João era um príncipe regente, pela impossibilidade de sua mãe Maria, a louca, governar) ter vindo para o brasil, foi uma bandeira para unificar a nação que seguia a tendência da América espanhola de fragmentação. O monarca era D. João VI da casa de Bragança , ele se identificava como “Pai da nação”, ainda mais depois que o brasil foi promovido por D. João de colônia para Reino Unido junto Portugal e Algarves, o rei seria a melhor saída para evitar a autonomia e possível separação do território ,somente a figura do rei congregaria esse território gigantesco marcado pela diferença, o importante era criar uma ideia de união , que todos os habitantes fossem congregados por algo, defendessem uma causa, fossem filhos do mesmo pai, tenham um sentimento em comum, que leve a identificação e o pertencimento a uma nação.

Em 1821 em vista da Revolução Liberal do Porto, D. João é obrigado a retornar a Portugal enquanto monarca, mas com poderes muito reduzidos, deixando seu filho D. Pedro como príncipe regente do brasil. As elites do brasil sempre preferiram a monarquia para garantir a unidade, pensando em fazer do Rei D. Pedro um fantoche. O novo reino do brasil nasce cercado por símbolos nacionais, como o hino, D. Pedro é sagrado e ungido rei por meio da Missa.

D. Pedro em 1822 proclama a independência do brasil, que a partir de então é considerado uma “Nação”. Mais tarde D. Pedro renuncia o trono para voltar a Portugal e lutar contra D. Miguel seu irmão absolutista. No brasil quem fica em seu lugar é D. Pedro II que sendo ainda criança não pode assumir o trono, sendo a tarefa de governar o país delegada a alguns regentes, o menino ainda tinha tutores famosos como José Bonifácio. Sua infância é cercada de mistério, sendo retratada por meio de pinturas que serviram com a intenção de fazer as elites crerem que se tratava de uma criança madura, um futuro rei, eles aguardavam o nascimento do novo príncipe, como um grande laço de unidade nacional, um príncipe jovem, nascido no próprio pais, genuinamente brasileiro seria coroado rei. Também acontecem as primeiras manifestações de um pré-nacionalismo, com um sentimento em comum, o anti lusitanismo.

Na década de 1830 eclodem revoltas em todo o brasil, com o ideal separatista, no Rio Grande do Sul temos a Revolução Farroupilha, no Norte temos a Cabanagem, e no Nordeste temos a Revolta dos Males, todas essas experiências evidenciam que nem todos se reconhecem como brasileiros. A mais forte destas experiências foi a Revolução Farroupilha no Sul. Sua história geralmente é contada como uma revolta contra o abuso do preço do charque, porém foi mais do que isso, foi um sentimento de identidade que uniu o povo Gaúcho, podemos perceber com isso que o brasil não é uma nação, como por exemplo os Estados Unidos da América, que foi colonizado em um sentimento único de trabalho, dedicação e amor, todos com um único objetivo, e com os mesmos laços raciais, a cultura do brasil foi inventada, sua unidade é falsa e vamos demonstrar isso ao longo do texto.

Vamos começar exemplificando as diferenças culturais do brasil enquanto país e São Paulo enquanto estado.

Poderíamos travar uma discussão maior sobre o conceito de cultura e nação, mas vamos nos ater aos detalhes da formação. Quando falamos em brasil nos vem a mente anos de propaganda, tanto de governos quanto da imprensa, de nos empurrar garganta abaixo a ideia de “cultura brasileira”, que podemos dizer, se estrutura em três pilares: samba, carnaval e futebol. Isso foi muito aceito dentre o povo, pois é senso comum no brasil, que aquele que não gosta de samba, carnaval e futebol não é reconhecido como brasileiro. Temos até um ditado popular que diz “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é, ou é ruim da cabeça, ou doente do pé”, e todo carnaval é assim.

Bem, isso não é cultura brasileira, não faz parte de sua formação, não foi espontâneo e sim imposto, foi forjado por inúmeros governos para justamente criar uma unidade que não existe.

O carnaval, por exemplo, segundo o jornalista Leandro Narloch, é uma festa que com suas mudanças, dependendo do contexto histórico, existe desde o Império Romano. No brasil a festa era uma comemoração espontânea nas ruas, ainda que não fosse estendida a todos os estados, mas então fica a pergunta, como surgiu o modelo de carnaval que conhecemos hoje? Patrocinado pela Rede Globo, com mulatas quase nuas dançando? E sambas ridículos exaltando o sentimento patriótico? A resposta é Getúlio Vargas.

Isso mesmo Getúlio Vargas, o grande inimigo de São Paulo, aquele que fez a queima das bandeiras para representar a unidade. Aquele que não teve nenhum pudor em vir inaugurar a avenida Nove de Julho mesmo com o simbolismo desta data. Foi ele quem começou a divulgação do carnaval como conhecemos hoje, um sinônimo de ser brasileiro, como diz Narloch:

“Mas suponha que de repente, um ditador (...)tivesse o direito de regular essa bagunça ( se refere ao carnaval) para torna-lo orgulho da nação?

Como em um desfile patriótico, os carnavalescos marchariam em linha reta, com esse tempo metodicamente marcado (...). Passariam diante de autoridades do governo e de jurados, que avaliariam a disciplina (...) dando notas até dez. A organização do carnaval permitiria apenas músicas patrióticas para ressaltar a pátria (...) a melodia só poderia ser executada por instrumentos considerados da cultura nacional.

Se adicionarmos algumas celebridades quase nuas e muitas penugens, o cenário fica parecido com a Sapucai .

Foi mais ou menos assim que nasceu o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Seu formato atual deve muito a ideologia fascista da década de 1930, além do interesse do presidente Getúlio Vargas de misturar sua imagem a cultura nacional.”
E tem mais, no livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, Narloch mostra como é frágil o laço que nos une. Até a década de 1930 os elementos que já mencionei e mais ,a feijoada, a capoeira não faziam parte do quadro de cultura nacional, eram vistos como elementos regionais ,desde o tempo da proclamação da república a questão da unidade nacional sempre foi um problema, pois os militares derrubaram o rei, que servia para garantir esta unidade e proclamaram a república. Foi nesse período que Gilberto Freyre, sociólogo, publica Casa Grande e Senzala. Na obra ele celebra a miscigenação brasileira, ocorrida de forma pacifica, e diz que isso foi um fator essencial para a unidade nacional, de uma nação de mestiços, que seria a união do melhor de cada povo, a isso a esquerda deu o nome de “Democracia Racial” demonizando Gilberto Freyre, pois contraria a tese esquerdista de luta de classes e exploração social. Freyre também escreve sobre a colaboração do negro e do índio, além da personalidade do Português que possibilitou a formação deste pais.

Alguns grupos aderiram a essa ideia, de forma radical, e a personificação disto foi o governo Vargas, que usando o pretexto da II Guerra Mundial, prega um nacionalismo exacerbado, proibindo os Europeus de conservarem sua cultura, os perseguindo e colocando-os em campos de concentração, incentivando a miscigenação, por ser algo próprio da formação do povo e cultura brasileira.

Tínhamos também outros grupos que defendiam esta causa, como os Integralistas que em 1935 chegaram a ter um milhão de filiados. Com certas ressalvas, podemos dizer que em parte foi Getúlio quem inventou o brasil, em conjunto com uma serie de intelectuais, poetas e outros, que tinham uma verdadeira obsessão por essa ideia, o brasil se estrutura nesta grande festa da mistura de raças, de um povo sem protocolos, alegre, que não é afeito ao trabalho, isso se internalizou no brasileiro.

A tentativa de criar um nacionalismo no brasil, passa pela instrumentalização da historiografia. Em 1838 a regência cria o IHGB (Instituto Histórico Geográfico brasileiro) a primeira experiência que deu frutos e termos de historiografia, começa com uma linha nativista, descritiva sobre a natureza do brasil, uma história que orientava para o patriotismo, seguiam a linha da historiografia alemã, de valorizar o documento como fonte histórica, a função do IHGB era se preocupar com o passado do brasil, a institucionalização da pesquisa.

Em 1840 Januário da Cunha Barbosa propõe um prêmio para quem apresentar uma monografia sobre a melhor forma de escrever a história do brasil. Ganha o biólogo Von Martius, ele foi o primeiro a seguir uma linha historiográfica que valoriza o papel do negro e do índio na formação do brasil, lançando as bases para a tese da democracia racial de Gilberto Freyre.

Nos anos de 1850 temos Varnhagen chamado de Heródoto do brasil, sendo conservador sua tendência é elogiar a colonização Portuguesa, é autor de História Geral do Brasil, o Imperador D. Pedro II foi o protetor de Varnhagen, o imperador precisava muito dos historiadores para constituir a história brasileira e legitimar o imperador no poder, a nação independente precisava de um passado do qual pudesse se orgulhar e que lhe permitisse avançar para o futuro. Nos anos de 1850 Varnhagen desenhará o perfil do brasil independente, oferece a nova nação um passado , a partir daí, multiplicaram-se os projetos para o brasil .Ou seja, a historiografia serve para o proposito de criar um passado para o brasil, em alguns casos estruturado nos benefícios da colonização portuguesa, em outros trabalhos o passado do brasil é em cima da contribuição de negro e índios.

Vamos inserir aqui, um contraponto, para mostrar que brasil não é nação, pois a formação por exemplo do Estado de São Paulo difere em muito do brasil.

João de Scatimburgo, quando fala do Povo Paulista em seu livro “Os Paulistas” escreve sobre o “Espirito Paulista”, que se perpetua até hoje, marcado por sua altivez, grandeza, sacrifício e coragem. São Paulo foi colonizado pela alta nobreza de Portugal, tendo como seu “Rei” Martin Afonso, que a partir de São Vicente começa a explorar o território. Esta colonização foi marcada pelo fortalecimento das instituições que no futuro viriam a ser a base da democracia, como os colégios por parte dos Jesuítas, a formação de Câmaras municipais para atender o povo, a fundação da Santa Casa de Misericórdia, entre outros, afirma Scatimurgo:

“É edificante a esse respeito a leitura de Atas e Testamentos . A raça de gigantes realizou a formidável obra de conquista do território brasileiro depois do tratado de Madri(...) O que importa deixar afirmado é que na origem da colonização paulista o espirito da nobreza predominou com os seus compromissos morais, históricos, políticos a sua fidelidade ao rei, que nunca foi traído, embora estivesse muito longe. Foi esse substrato que condicionou toda uma civilização, fecundando-a com o tônus de seu ideal, de sua concepção de vida e dever; com a sua capacidade de renunciar aos interesses pessoais , enquanto construía o brasil, com o seu trabalho e sua determinação.”

Scatimburgo que estuda a formação do povo Paulista, destaca justamente a distinção de sua formação daquilo que nos fizeram acreditar ser o brasil, enquanto aquilo que os governos tentaram nos empurrar como cultura brasileira foi forjado, manipulado e imposto, São Paulo desde o seu começo como no caso dos Estados Unidos teve uma formação diferente, tendo uma tradição empreendedora com os Bandeirantes, tradição Cristã e de estudos com os Jesuítas,tradição democrática com a formação das câmaras municipais para atender aos interesses do povo, os heróis Paulistas, que desbravaram o brasil os Bandeirantes, e aqueles que lutaram contra a ditadura Varguista em 1932, não foram heróis forjados.

Portanto, vimos que São Paulo NÃO É brasil. A ideia de brasil foi forjada, como não se tinha um ponto de identificação, ou seja, os brasileiros não se reconheciam como iguais, foi inventado o futebol, samba e outros como cultura nacional.

Obs.: Escrevi brasil com minúsculo de forma proposital, não reconheço enquanto país.

Bibliografia:

Os Paulistas, de João Scatimburgo

As Barbas do Imperador, de Lilia Moritz Schawartz

Publicado originalmente em 27/09/2013

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